Por Maria Tereza Maldonado
Quando
estava pesquisando projetos bem-sucedidos na Amazônia para escrever
Florestania, visitei um centro comunitário onde se reuniam as famílias
ribeirinhas nos finais de semana. Estavam preparando a festa do sábado,
com muita conversa, música e dança. Disse-me uma mulher, distribuindo
tarefas para seus vários filhos: “Sabe como é, quando os pais não dão
trabalho para os filhos, os filhos dão trabalho para os pais”...
Trabalhando
com famílias de classe média alta escuto uma queixa freqüente:
adolescentes e jovens adultos desmotivados, sem ânimo para aproveitar as
inúmeras oportunidades oferecidas pelos pais, desde praticar esportes
até fazer um curso de línguas no exterior. Os pais insistem para que
eles “façam alguma coisa”, tentam adivinhar até mesmo os desejos de
consumo para ampliar as ofertas e parece que nada lhes desperta o
interesse; surge a angústia de constatar que os filhos não estão
investindo esforços para construir o próprio futuro, não estão se
preparando de modo mais consistente para a vida e para um mercado de
trabalho cada vez mais exigente. Parece que estão adormecidos,
letárgicos, ligados apenas na realidade virtual por horas a fio,
encerrados em seus quartos muito bem equipados.
Desde
crianças, excesso de ofertas e oportunidades: boas escolas, montes de
brinquedos mal explorados e rapidamente abandonados, mesadas generosas,
empregadas para recolher os pertences espalhados pela casa, pouquíssimas
obrigações e contribuições para as tarefas da casa. Acostumados com a
mão única de receber, pouco oferecem. Com o excesso de oportunidades,
sobrou pouco espaço para desenvolver o desejo próprio e a motivação para
transformar sonhos em realidade.
Os
jovens empreendedores detectam oportunidades, aproveitam as que se
apresentam, desenvolvem projetos e os concretizam em ações bem
coordenadas; o desejo de crescimento e de autonomia predomina sobre a
vontade de ser servido, de ter tudo na mão com o mínimo de esforço. Os
que não conseguiram desenvolver o espírito empreendedor deixam passar as
oportunidades ou nem sequer as percebem.
Nas
discussões sobre violência juvenil, enfatiza-se muito a questão de
oferecer oportunidades para desenvolver caminhos de vida mais
promissores. Quando pesquisei projetos de dança bem-sucedidos em algumas
cidades brasileiras para escrever Nos passos da dança, fiquei tão
atenta ao que fazemos com as oportunidades que decidi construir como
personagens principais um jovem de classe média baixa que não só
aproveita como também cria oportunidades de crescimento pessoal e um
outro jovem criado por uma avó superprotetora que se queixa da vida e da
falta de sorte para realizar seus sonhos, embora não consiga levar
adiante o que, a duras penas, começa. Envolvida ativamente em projetos
sociais, percebo que não basta ter oportunidades: é preciso saber o que
fazer com elas.
São
vários fatores que contribuem para o desenvolvimento do espírito
empreendedor, que nos incentiva a aproveitar ao máximo as oportunidades
oferecidas e a expandir a capacidade de perceber indícios da realidade
que podem se transformar em oportunidades de realização de projetos. Há
pessoas que, desde crianças, são empreendedoras mesmo que não sejam
estimuladas pela família: tomam iniciativas, “fazem acontecer”, são
criativas e inovadoras, aproveitam os erros para aprimorar a
aprendizagem, acreditam que podem construir seu próprio futuro. Essas
características também podem ser desenvolvidas com a estimulação
adequada, construindo a mão dupla de receber e oferecer, estimulando a
partilha dos cuidados com o espaço coletivo da casa, a responsabilidade
pelo cumprimento das tarefas, o amor não confundido com “passar a mão
pela cabeça” e com superproteção.
Maria Tereza Maldonado é psicóloga, professora universitária e consultora de empresas. É autora de diversos livros, entre eles, "Histórias da Vida Inteira" e "A Arte da Conversa e do Convívio".
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